segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O QUE É O ESCLARECIMENTO


Resposta à pergunta: “O que é o Iluminismo?”
I. KANT
Tradutor: Artur Morão
1
Apresentação
O opúsculo de I. Kant Resposta à pergunta: Que é o iluminismo? (1784)
é, como se sabe, um texto clássico. Por razões várias.
- É um dos manifestos mais ‘interessantes’ da Ilustração europeia. Como tal, figura não só como um dos mais contundentes apelos ao exercício autônomo da razão, à liberdade de pensamento, mas constitui ainda uma expressão sintomática de um momento fundamental na estruturação da consciência moderna, com o seu afâ de novidade, de expansão e conquista do mundo e da natureza, de destruição da ordem estática das sociedades, mas também com o seu desprezo da tradição, com a vertigem do solipsismo.
- É, por outro lado, um texto-alvo no recente debate sobre o projecto da modernidade e a reacção pós-moderna (assim na obra de M. Foucault e de J. Habermas, entre outros).
- Propõe ainda, de certo modo, um ideal imperativo e inatingível – precisamente a consecução da genuína e plena ilustração intelectual – e disso Kant parece dar-se conta no final do ensaio, embora permaneça, contra o que promove, enredado nos preconceitos da sua época, a saber, uma versão algo abstracta da razão arrancada ao húmus da história, encarada sem os nexos relacionais que ligam os seres humanos no seu destino; a inatenção ao papel quase transcendental da linguagem na estruturação do pensamento; a falta de consideração do vínculo entre razão e autoridade (nas suas múltiplas formas), além da pedante convicção de que as idades anteriores aos tempos modernos
mergulhavam na ‘menoridade culpada’. Estas observações, e muitas outras que se poderiam aduzir, não serão um obstáculo para apreciar a luminosidade deste opúsculo, merecidamente famoso; mesmo apesar dos seus limites, encerra ainda uma exigência moral de auto-iluminação, que nunca é bastante.
 [A481] Resposta à pergunta: “Que é o Iluminismo?” (1784) (3 Dez., 1783, p. 516)_
I. KANT
lluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria, se a sua causa não residir na carência de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo, sem a guia de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do Iluminismo.
A preguiça e a cobardia são as causas de os homens em tão grande parte, após a natureza os ter há muito libertado do controlo alheio (naturaliter maiorennes),[ 482] continuarem, todavia, de bom grado menores durante toda a vida; e também de a outros se tornar tão fácil assumir-se como seus tutores. É tão cómodo ser menor. Se eu tiver um livro que tem entendimento por mim, um director espiritual que em vez de mim tem consciência moral, um médico que por mim decide da dieta, etc., então não preciso de eu próprio me esforçar. Não me é forçoso pensar, quando posso simplesmente pagar; outros empreenderão por mim essa tarefa aborrecida. Porque a imensa maioria dos homens (inclusive todo o belo sexo) considera a passagem à maioridade difícil e também muito perigosa é que os tutores de bom grado tomaram a seu cargo a superintendência deles. Depois de terem, primeiro, embrutecido
_A indicação da página da “Berlinische Monatsschrift” refere-se à seguinte nota na frase: “Será aconselhável ratificar posteriormente o vínculo conjugal por meio da religião?” do Sr. Preg. Zöllner: “Que é o Iluminismo?” Esta pergunta, quase tão importante como esta “Que é a Verdade?”, deveria receber uma resposta antes de se começar a esclarecer! E, no entanto, em nenhum lugar a vi ainda respondida”. os seus animais domésticos e evitado cuidadosamente que estas criaturas pacíficas ousassem dar um passo para fora da carroça em que as encerraram, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça, se tentarem andar sozinhas.
Ora, este perigo não é assim tão grande, pois acabariam por aprender muito bem a andar. Só que um tal exemplo intimida e, em geral, gera pavor perante todas as tentativas ulteriores.
É, pois, difícil a cada homem desprender-se da menoridade que para ele se tomou [483] quase uma natureza. Até lhe ganhou amor e é por agora realmente incapaz de se servir do seu próprio entendimento, porque nunca se lhe permitiu fazer semelhante tentativa. Preceitos e fórmulas, instrumentos mecânicos do uso racional, ou antes, do mau uso dos seus dons naturais são os grilhões de uma menoridade perpétua. Mesmo quem deles se soltasse só daria um salto inseguro sobre o mais pequeno fosso, porque não está habituado ao movimento livre. São, pois, muito poucos apenas os que conseguiram mediante a transformação do seu espírito arrancar-se à menoridade e encetar então um andamento seguro.
Mas é perfeitamente possível que um público a si mesmo se esclareça.
Mais ainda, é quase inevitável, se para tal lhe for concedida a liberdade. Sempre haverá, de facto, alguns que pensam por si, mesmo entre os tutores estabelecidos da grande massa que, após terem arrojado de si o jugo da menoridade, espalharão à sua volta o espírito de uma estimativa racional do próprio valor e da vocação de cada homem para pensar por si mesmo. Importante aqui é que o público, antes por eles sujeito a este jugo, os obriga doravante a permanecer sob ele quando por alguns dos seus tutores, pessoalmente incapazes de qualquer ilustração, é a isso [484] incitado. Semear preconceitos é muito danoso, porque acabam por se vingar dos que pessoalmente, ou os seus predecessores, foram os seus autores. Por conseguinte, um público só muito lentamente consegue chegar à ilustração. Por meio de uma revolução talvez se possa levar a cabo a queda do despotismo pessoal e da opressão gananciosa ou dominadora, mas nunca uma verdadeira reforma do modo de pensar. Novos preconceitos, justamente como os antigos, servirão de rédeas à grande massa destituída de pensamento.
Mas, para esta ilustração, nada mais se exige do que a liberdade; e, claro está, a mais inofensiva entre tudo o que se pode chamar liberdade, a saber, a de fazer um uso público da sua razão em todos os elementos. Agora, porém, de todos os lados ouço gritar: não raciocines! Diz o oficial: não raciocines,  mas faz exercícios! Diz o funcionário de Finanças: não raciocines, paga! E o clérigo: não raciocines, acredita! (Apenas um único senhor no mundo diz: raciocinai tanto quanto quiserdes e sobre o que quiserdes, mas obedecei!) Por toda a parte se depara com a restrição da liberdade. Mas qual é a restrição que se opõe ao Iluminismo? Qual a restrição que o não impede, antes o fomenta? Respondo: o uso público da própria razão deve sempre ser livre e só ele pode, entre os homens, levar a cabo a ilustração [485]; mas o uso privado da razão pode, muitas vezes, coarctar-se fortemente sem que, no entanto, se entrave assim notavelmente o progresso da ilustração. Por uso público da própria razão entendo aquele que qualquer um, enquanto erudito, dela faz perante o grande público do mundo letrado. Chamo uso privado àquele que alguém pode fazer da sua razão num certo cargo público ou função a ele confiado. Ora, em muitos assuntos que têm a ver com o interesse da comunidade, é necessário um certo mecanismo em virtude do qual alguns membros da comunidade se comportarão de um modo puramente passivo com o propósito de, mediante uma unanimidade artificial, serem orientados pelo governo para fins públicos ou de, pelo menos, serem impedidos de destruir tais fins. Neste caso, não é decerto permitido raciocinar, mas tem de se obedecer. Na medida, porém, em que esta parte da máquina se considera também como elemento de uma comunidade total, e até da sociedade civil mundial, portanto, na qualidade de um erudito que se dirige por escrito a um público em entendimento genuíno, pode certamente raciocinar sem que assim sofram qualquer dano os negócios a que, em parte, como membro passivo, se encontra sujeito. Seria, pois, muito pernicioso se um oficial, a quem o seu superior ordenou algo, quisesse em serviço sofismar em voz alta [486] acerca da inconveniência ou utilidade dessa ordem; tem de obedecer, mas não se lhe pode impedir de um modo justo, enquanto perito, fazer observações sobre os erros do serviço militar e expô-las ao seu público para que as julgue. O cidadão não pode recusar-se a pagar os impostos que lhe são exigidos; e uma censura impertinente de tais obrigações, se por ele devem ser cumpridas, pode mesmo punir-se como um escândalo (que poderia causar uma insubordinação geral). Mas, apesar disso, não age contra o dever de um cidadão se, como erudito, ele expuser as suas ideias contra a inconveniência ou também a injustiça de tais prescrições. Do mesmo modo, um clérigo está obrigado a ensinar os instruendos de catecismo e a sua comunidade em conformidade com o símbolo da Igreja, a cujo serviço se encontra, pois ele foi admitido com esta condição. Mas, como erudito, tem plena liberdade e até a missão de participar ao público todos os seus pensamentos cuidadosamente examinados e bem-intencionados sobre o que de errôneo há naquele símbolo, e as propostas para uma melhor regulamentação das matérias que respeitam à religião e à Igreja. Nada aqui existe que possa constituir um peso na consciência. Com efeito, o que ele ensina em virtude da sua função, como ministro da Igreja, expõe-no como algo em relação [487] ao qual não tem o livre poder de ensinar segundo a sua opinião própria, mas está obrigado a expor segundo a prescrição e em nome de outrem. Dirá: a nossa Igreja ensina isto ou aquilo; são estes os argumentos comprovativos de que ela se serve. Em seguida, ele extrai toda a utilidade prática para a sua comunidade de preceitos que ele próprio não subscreveria com plena convicção, mas a cuja exposição se pode, no entanto, comprometer, porque não é de todo impossível que neles resida alguma verdade oculta. De qualquer modo, porém, não deve neles haver coisa alguma que se oponha à religião interior, pois se julgasse encontrar aí semelhante contradição, então não poderia em consciência desempenhar o seu ministério; teria de renunciar. Por conseguinte, o uso que um professor contratado faz da sua razão perante a sua comunidade é apenas um uso privado, porque ela, por maior que seja, é sempre apenas uma assembléia doméstica; e no tocante a tal uso, ele como sacerdote não é livre e também o não pode ser, porque exerce uma incumbência alheia. Em contrapartida, como erudito que, mediante escritos, fala a um público genuíno, a saber, ao mundo, por conseguinte, o clérigo, no uso público da sua razão, goza de uma liberdade ilimitada de se servir da própria razão e de falar em seu nome próprio. É, de facto, um absurdo, que leva à perpetuação dos absurdos, que os tutores do povo [488] (em coisas espirituais) tenham de ser, por sua vez, menores.
Mas não deveria uma sociedade de clérigos, por exemplo, uma assembléia eclesiástica ou uma venerável classis (como a si mesma se denomina entre os Holandeses) estar autorizada sob juramento a comprometer-se entre si com um certo símbolo imutável para assim se instituir uma interminável supertutela sobre cada um dos seus membros e, por meio deles, sobre o povo, e deste modo a eternizar? Digo: isso é de todo impossível. Semelhante contrato, que decidiria excluir para sempre toda a ulterior ilustração do género humano, é absolutamente nulo e sem validade, mesmo que fosse confirmado pela autoridade suprema por parlamentos e pelos mais solenes tratados de paz. Uma época não se pode coligar e conjurar para colocar a seguinte num estado em que se tornará impossível a ampliação dos seus conhecimentos (sobretudo os mais urgentes), a purificação dos erros e, em geral, o avanço progressivo na ilustração. Isso seria um crime contra a natureza humana, cuja determinação original consiste justamente neste avanço. E os vindouros têm toda a legitimidade para recusar essas resoluções decretadas de um modo incompetente e criminoso. A pedra de toque [489] de tudo o que se pode decretar como lei sobre um povo reside na pergunta: poderia um povo impor a si próprio essa lei? Seria decerto possível, na expectativa, por assim dizer, de uma lei melhor, por um determinado e curto prazo, para introduzir uma certa ordem.
Ao mesmo tempo, facultar-se-ia a cada cidadão, em especial ao clérigo, na qualidade de erudito, fazer publicamente, isto é, por escritos, as suas observações sobre o que há de erróneo nas instituições anteriores; entretanto, a ordem introduzida continuaria em vigência até que o discernimento da natureza de tais coisas se tivesse de tal modo difundido e testado publicamente que os cidadãos, unindo as suas vozes (embora não todas), poderiam apresentar a sua proposta diante do trono a fim de protegerem as comunidades que, de acordo com o seu conceito do melhor discernimento, se teriam coadunado numa organização religiosa modificada, sem todavia impedir os que quisessem ater-se à antiga. Mas é de todo interdito coadunar-se numa constituição religiosa pertinaz, por ninguém posta publicamente em dúvida, mesmo só durante o tempo de vida de um homem e deste modo aniquilar, por assim dizer, um período de tempo no progresso da humanidade para o melhor e torná-lo infecundo e prejudicial para a posteridade. Um homem, para a sua pessoa, [490] e mesmo então só por algum tempo, pode, no que lhe incumbe saber, adiar a ilustração; mas renunciar a ela, quer seja para si, quer ainda mais para a descendência, significa lesar e calcar aos pés o sagrado direito da humanidade. O que não é lícito a um povo decidir em relação a si mesmo menos o pode ainda um monarca decidir sobre o povo, pois a sua autoridade legislativa assenta precisamente no facto de na sua vontade unificar a vontade conjunta do povo. Quando ele vê que toda a melhoria verdadeira ou presumida coincide com a ordem civil, pode então permitir que em tudo o mais os seus súbditos façam por si mesmos o que julguem necessário fazer para a salvação da sua alma.
Não é isso que lhe importa, mas compete-lhe obstar a que alguém impeça à força outrem de trabalhar segundo toda a sua capacidade na determinação e fomento da mesma. Constitui até um dano para a sua majestade imiscuir-se em tais assuntos,ao honrar com a inspecção do seu governo os escritos em que os seus súbditos procuram clarificar as suas ideias, quer quando ele faz isso a partir do seu discernimento superior, pelo que se sujeita à censura ‘Caesar non est supra grammaticos’[1] quer também, e ainda mais, quando rebaixa o seu poder supremo a ponto de, no seu Estado, apoiar o despotismo espiritual de alguns tiranos [491] contra os demais súbditos.
Se, pois, se fizer a pergunta – Vivemos nós agora numa época esclarecida? – a resposta é: não. Mas vivemos numa época do Iluminismo. Falta ainda muito para que os homens tomados em conjunto, da maneira como as coisas agora estão, se encontrem já numa situação ou nela se possam apenas vir a pôr de, em matéria de religião, se servirem bem e com segurança do seu próprio entendimento, sem a orientação de outrem. Temos apenas claros indícios de que se lhes abre agora o campo em que podem actuar livremente, e diminuem pouco a pouco os obstáculos à ilustração geral ou à saída dos homens da menoridade de que são culpados. Assim considerada, esta época é a época do Iluminismo, ou o século de Frederico.
Um príncipe que não acha indigno de si dizer que tem por dever nada prescrever aos homens em matéria de religião, mas deixar-lhes aí a plena liberdade, que, por conseguinte, recusa o arrogante nome de tolerância, é efectivamente esclarecido e merece ser encomiado pelo mundo grato e pela posteridade como aquele que, pela primeira vez, libertou o género humano da menoridade, pelo menos por parte do governo, e concedeu a cada qual a liberdade de se [492] servir da própria razão em tudo o que é assunto da consciência.
Sob o seu auspício, clérigos veneráveis podem, sem prejuízo do seu dever ministerial e na qualidade de eruditos, expor livre e publicamente ao mundo para que este examine os seus juízos e as suas ideias que, aqui ou além, se afastam do símbolo admitido; mas, mais permitido é ainda a quem não está limitado por nenhum dever de ofício. Este espírito de liberdade difunde-se também no exterior, mesmo onde entra em conflito com obstáculos externos de um governo que a si mesmo se compreende mal. Com efeito, perante tal governo brilha um exemplo de que, no seio da liberdade, não há o mínimo a recear pela ordem pública e pela unidade da comunidade. Os homens libertam-se pouco a pouco da brutalidade, quando de nenhum modo se procura, de propósito, conservá-los nela.
Apresentei o ponto central do Iluminismo, a saída do homem da sua menoridade culpada, sobretudo nas coisas de religião, porque em relação às artes e às ciências os nossos governantes não têm interesse algum em exercer a tutela sobre os seus súbditos; por outro lado, a tutela religiosa, além de ser mais prejudicial, é também a mais desonrosa de todas. Mas o modo de pensar de um chefe de Estado, que favorece a primeira, vai ainda mais além e discerne que mesmo no tocante à sua legislação [493] não há perigo em permitir aos seus súbditos fazer uso público da sua própria razão e expor publicamente ao mundo as suas ideias sobre a sua melhor formulação, inclusive por meio de uma ousada crítica da legislação que já existe; um exemplo brilhante que temos é que nenhum monarca superou aquele que admiramos.
Mas também só aquele que, já esclarecido, não receia as sombras e que, ao mesmo tempo, dispõe de um exército bem disciplinado e numeroso para garantir a ordem pública – pode dizer o que a um Estado livre não é permitido ousar: raciocinai tanto quanto quiserdes e sobre o que quiserdes; mas obedecei! Revela-se aqui um estranho e não esperado curso das coisas humanas; como, aliás, quando ele se considera em conjunto, quase tudo nele é paradoxal. Um grau maior da liberdade civil afigura-se vantajosa para a liberdade do espírito do povo e, no entanto, estabelece-lhe limites intransponíveis; um grau menor cria-lhe, pelo contrário, o espaço para ela se alargar segundo toda a sua capacidade. Se a natureza, sob este duro invólucro, desenvolveu o germe de que delicadamente cuida, a saber, a tendência e a vocação para o pensamento livre, então ela actua também gradualmente sobre o modo do sentir do povo (pelo que este se tornará cada vez mais [494] capaz de agir segundo a liberdade) e, por fim, até mesmo sobre os princípios do governo que acha salutar para si próprio tratar o homem, que agora é mais do que uma máquina, segundo a sua dignidade[2] Königsberg na Prússia, 30 de Setembro de 1784.


[1] “César não está acima dos gramáticos.”
[2] Na publicação semanal Notícias de Büsching de 13 de Setembro, leio hoje, dia 30 do mesmo mês, o anúncio da “Berlinische Monatsschrift” deste mês, onde se inseriu a resposta do senhor Mendelssohn à mesma pergunta. Esta ainda não me chegou às mãos; de outro modo, teria retido a presente resposta que, agora, apenas se pode encontrar aqui como tentativa de mostrar até que ponto o acaso originou uma coincidência dos pensamentos.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

TEXT: Democracia


A democracia.
TEMAS DE FILOSOFIA.
Maria Lúcia Aranha
"O Brasil é uma democracia?" Diante desta pergunta, talvez qualquer pessoa responda, sem muito esforço, afirmativamente.
Afinal, na década de 80 começamos a sair da ditadura militar, participamos da campanha das "Diretas-já", após vinte anos de jejum cívico escolhemos um presidente civil pelo voto direto, livre e universal. O Brasil é uma democracia porque, além das eleições livres, há liberdade de imprensa (não há mais censura), há igualdade racial, liberdade de pensamento etc.
Mas alguém poderia objetar: e os altos índices de miserabilidade do povo brasileiro? Seria realmente democrático um país que está entre os cinco com pior distribuição de renda no mundo? E será que, de fato, existe igualdade sexual e racial? Há iguais oportunidades de trabalho? Além disso, o atendimento de saúde, educação e habilitação tem sido estendido de forma homogênea a todos os segmentos sociais?
Não há como negar essa contradição. De fato, o Brasil é e não é uma democracia. Como é possível? É o que veremos a seguir.
Democracia: formal e substancial
O ideal de uma sociedade verdadeiramente democrática é que ela seja uma democracia formal e substancial.
Embora haja variações nos graus de aproximação desse ideal, sabemos que pelo menos até agora nenhuma nação preencheu totalmente tais requisitos, o que não nos impede de elaborarmos projetos a serem perseguidos na construção de um mundo melhor.
O aspecto formal da democracia consiste no conjunto das instituições características deste regime: o voto secreto e universal, a autonomia dos poderes, pluripartidarismo, representatividade, ordem jurídica constituída, liberdade de pensamento e expressão e assim por diante. Trata-se propriamente das "regras do jogo" democrático, do estabelecimento dos meios pelos quais a democracia se exerce.
A democracia substancial diz respeito não aos meios, mas aos fins que são alcançados, aos resultados do processo. Dentre estes valores se destaca a efetiva — e não apenas ideal — igualdade jurídica, social e econômica.
Portanto, a democracia substancial diz respeito aos conteúdos alcançados de fato.
Dentre os mais diversos países constatamos que em alguns pode haver democracia formal, sem que se tenha conseguido cumprir as promessas da democracia substancial, enquanto em outros pode haver democracia substancial implantada sem recurso ao exercício democrático do poder. É o caso das democracias para o povo, mas não pelo povo.
A fim de melhor compreender tais contradições, vamos examinar quatro campos possíveis do exercício democrático: econômico, social, jurídico e político.
a) Democracia econômica: há democracia econômica quando existe justa distribuição de renda, iguais oportunidades de trabalho, contratos livres, sindicatos fortes. Tais aspectos formais podem levar ou não à efetiva democracia substancial. Sabemos que a livre concorrência, sem os devidos cuidados para ser mantido o interesse coletivo, pode provocar conseqüências danosas para a maioria da população. Por outro lado, também o controle total feito pelo Estado é paternalista e pode levar a distorções, como ocorreu nas sociedades socialistas do Leste europeu, onde os bens de produção foram apropriados pelo Estado.
b) Democracia social: embora as pessoas sejam diferentes e participem de grupos diversos, ninguém pode ser discriminado, e todos devem ter possibilidade de acesso aos bens materiais como moradia, alimentação e saúde, e aos bens culturais em todos os níveis; educação, profissionalização, lazer, arte. Ê preciso existir abertura para a produção e consumo da cultura, e que não haja censura, a fim de que as informações circulem livremente. Numa sociedade democrática o saber deve ser acessível a todos sem tomar-se privilégio de alguns.
c) Democracia jurídica: a democracia supõe o estado de direito, o respeito à Constituição, a autonomia do Poder Judiciário. O poder autoritário se caracteriza pela submissão dos poderes Legislativo e Judiciário ao Executivo. Basta lembrar o tempo da ditadura militar no Brasil, quando se governava por meio de atos institucionais, indiferentes à soberania do Congresso. A continuidade do uso e abuso de medidas provisórias indica ainda resquícios do estado de arbítrio.
Para ser substancial, a democracia jurídica deve se basear em leis que realmente atendam ao interesse da comunidade e precisa contar com uma justiça ágil e resistente às pressões de grupos.
d) Democracia política: o coração da democracia está no reconhecimento do valor da coisa pública, separada dos interesses particulares. Neste sentido, há a exigência da institucionalização do poder, ou seja, quem ocupa o poder o faz enquanto representante do povo, e, como tal, não é proprietário do poder, mas ocupa um "lugar vazio", um espaço que será assumido também por outras pessoas, garantindo a rotatividade do poder.
O acesso ao poder na democracia política é ascendente, fazendo-se "de baixo para cima", pela escolha popular e com os recursos do pluripartidarismo, garantia da existência da oposição efetiva. Pois se a democracia supõe o consenso, isto é, a aceitação comum das regras após as discussões, tal procedimento não elimina a permanência do dissenso, a possibilidade de discordar sempre que necessário. Aliás, uma característica da democracia é a aceitação do conflito como expressão das opiniões divergentes. Faz parte do processo democrático "trabalhar" o conflito e não negá-lo ou camuflá-lo.
Além disso, a ampliação da democracia ocorre paralelamente à multiplicação dos órgãos representativos da sociedade civil, de modo a ativar as formas de participação dos cidadãos em geral. É isto que pode tornar a democracia uma policracia, o regime que não tem apenas um centro, mas cujo poder se irradia para inúmeros pontos da sociedade.
Por exemplo, são importantes as organizações tanto ocasionais como permanentes que representam interesses de setores da coletividade, tais como associações de bairros, mutirões, grupos contra a violência, grupos ecológicos, ao lado de outras importantes instituições como a Ordem dos Advogados, a Associação de Imprensa, os partidos políticos, os sindicatos etc.
Tal difusão de poderes dá condições para o melhor cumprimento da vontade geral, bem como para o controle dos abusos, exigindo-se maior transparência das ações nas diversas instâncias de poder.
O que prejudica o processo de democratização é o desvirtuamento da atividade política, voltada para interesses particulares, a descaracterização dos partidos sem estofo ideológico ao sabor de casuísmos e conchavos, e a grande maioria despolitizada e não-participante.
Democracia: direta ou representativa?
Quanto ao tipo de soberania popular, distinguimos a democracia direta da democracia representativa.
A mais antiga democracia de que se tem notícia é a ateniense. Trata-se da democracia direta, em que todo cidadão tem não só o direito, como também o dever de participar da assembléia pública a fim de decidir os destinos da polis. A igualdade que daí resulta se caracteriza pela isonomia (igualdade perante a lei) e pela isegoria {direito à palavra na assembléia).
O apogeu da democracia grega se deu no século V a.C, mas, a bem da verdade, é preciso lembrar que na sociedade grega os escravos, mulheres e estrangeiros não eram considerados cidadãos e, portanto se achavam excluídos da vida pública. Restava, de fato, apenas 10% do corpo social capaz de decisão política. O que importa, no entanto, é o surgimento do ideal democrático como um valor novo que se contrapõe à concepção aristocrática de poder.
Apesar da experiência democrática, os principais teóricos gregos, como Platão e Aristóteles, vêem com reserva a democracia, que para eles ocupa o último lugar dentre as formas de governos.
Na Idade Moderna surgem as teorias políticas contratualistas (que abordaremos no próximo capítulo) e que começam a ocupar-se com a questão da legitimidade do poder.
Para um liberal como Locke, a legitimidade do poder se encontra na origem parlamentar do poder político.
Isto significa que a ocupação de um cargo político não deve resultar de um privilégio aristocrático, mas do mandato popular alcançado pelo voto: a representação política torna-se legítima porque nasce da vontade popular.
Em outras palavras: na Idade Média transmitia-se por herança tanto a propriedade como o poder político; o herdeiro do rei, do conde ou do marquês recebia não só os bens como também o poder sobre os homens que viviam nas terras herdadas. Já com o liberalismo, estabelece-se a distinção entre sociedade política e sociedade civil, entre público e privado.
Na verdade, o liberalismo dos séculos XVII e XVIII não era igualitário, mas fundamentalmente elitista. Por isso, é preciso entender que a representação política se referia aos que possuíam propriedades e, com o voto censitário, excluía-se do poder a grande maioria, apenas "proprietária do seu corpo", ou seja, da força de trabalho.
Ainda no século XVIII, em pleno período de valorização da legitimidade da representação, Rousseau defende a democracia direta. Para ele, com o contrato social, cada indivíduo aliena incondicionalmente seu poder em favor da coletividade, mas a vontade geral não pode ser alienada nem representada. Isto significa que para Rousseau os deputados e governantes não são representantes do povo, mas apenas seus oficiais, estando subordinados à soberania popular, a única que decide por meio de assembléias, plebiscitos e referendos.
A vontade geral é um conceito fundamental para compreender a democracia rousseauísta. Todo indivíduo é ao mesmo tempo uma pessoa privada e uma pessoa pública (cidadão): enquanto pessoa privada trata de seus interesses particulares, e enquanto pessoa pública é parte de um corpo coletivo que tem interesses comuns. Nem sempre o interesse de um coincide com o de outro, pois muitas vezes o que beneficia a pessoa particular pode ser prejudicial ao coletivo. Aprender a ser cidadão é justamente saber qual é a vontade geral, típica do interesse de todos enquanto componentes do corpo coletivo, mesmo que à revelia dos seus próprios interesses enquanto pessoa particular.
O próprio Rousseau reconhecia as dificuldades em implantar a democracia direta, sobretudo em nações de território extenso e grande densidade populacional.
Mas essa objeção não nos deve desanimar na busca do aperfeiçoamento do jogo democrático. Ao contrário, o desafio está justamente em descobrir formas para melhor aproximação dos ideais da democracia.
Democracia e cidadania
Se até hoje temos nos contentado com a democracia representativa, não há como deixar de sonhar com mecanismos típicos da democracia direta que possibilitem a presença mais constante do povo nas decisões de interesse coletivo.
Ma Constituição brasileira de 1988 foi introduzida a "iniciativa popular de projetos de leis", através de manifestação do eleitorado, mediante porcentagem mínima estipulada conforme o caso. Essa forma de atuação ainda será regulamentada e devem ser enfrentadas dificuldades as mais diversas para o exercício efetivo.
Mas alguns poderiam argumentar: para participar enquanto cidadão pleno é preciso que haja politização, caso contrário haverá apatia ou manipulação. Daí o desafio: quem educa o cidadão?
Cidadania se aprende no exercício mesmo da cidadania. Embora a escola seja aliada importante, não é nela fundamentalmente que se dá a aprendizagem, pois há o risco da ideologia e do discurso vazio, quando o ensino não é acompanhado de fato pela ampliação dos espaços de atuação política do cidadão na sociedade.
A participação popular se intensifica com as já referidas organizações saídas da sociedade civil. Essas organizações, ao colocarem seus representantes em confronto com o poder constituído, tornam-se verdadeiras escolas de cidadania. O importante do processo é que, ao lado dos outros poderes, como o poder oficial do município, do estado e federal, e o poder das elites econômicas, desenvolve-se o poder alternativo. Ou seja, o esforço coletivo na defesa de interesses comuns transforma a população amorfa, inexpressiva e despolitizada em comunidade verdadeira.
Na luta contra a tirania e o poder arbitrário, nem as regras da moral, nem apenas as leis impedirão o abuso do poder. Na verdade, como já dizia Montesquieu, só o poder controla o poder.

definição de democracia


DEMOCRACIA:
I. NA TEORIA DA DEMOCRACIA CONFLUEM TRÊS TRADIÇÕES HISTÓRICAS.  — Na teoria contemporânea da Democracia confluem três grandes tradições do pensamento político: a) a teoria clássica, divulgada como teoria aristotélica, das três formas de Governo, segundo a qual a Democracia, como Governo do povo, de todos os cidadãos, ou seja, de todos aqueles que gozam dos direitos de cidadania, se distingue da monarquia, como Governo de um só, e da aristocracia, como Governo de poucos; b) a teoria medieval, de origem "romana, apoiada na soberania popular, na base da qual há a contraposição de uma concepção ascendente a uma concepção descendente da soberania conforme o poder supremo deriva do povo e se torna representativo ou deriva do príncipe e se transmite por delegação do superior para o inferior; c) a teoria moderna, conhecida como teoria de Maquiavel, nascida com o Estado moderno na forma das grandes monarquias, segundo a qual as formas históricas de Governo são essencialmente duas: a monarquia e a república, e a antiga Democracia nada mais é que uma forma de república (a outra é a aristocracia), onde se origina o intercâmbio característico do período pré revolucionário entre ideais democráticos e ideais republicanos e o Governo genuinamente popular é chamado, em vez de Democracia, de república. O problema da Democracia, das suas características, de sua importância ou desimportância é, como se vê, antigo. Tão antigo quanto a reflexão sobre as coisas da política, tendo sido reproposto e reformulado em todas as épocas. De tal maneira isto é verdade, que um exame do debate contemporâneo em torno do conceito e do valor da Democracia não pode prescindir de uma referência, ainda que rápida, à tradição.

Dicionário de política I Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino; trad. Carmen C, Varriale et ai.; coord. trad. João Ferreira; rev. geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. - Brasília : Editora Universidade de Brasília, 1 la ed., 1998

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O QUE VOCÊ ACHA DISSO

SABE O QUE É UM PALÍNDROMO?


NÃO?!

Um palíndromo é uma palavra ou um número que se lê da mesma maneira nos dois sentidos, normalmente, da esquerda para a direita e ao contrário.

Exemplos: OVO, OSSO, RADAR. O mesmo se aplica às frases, embora a coincidência seja tanto mais difícil de conseguir quanto maior a frase; é o caso do conhecido:

SOCORRAM-ME, SUBI NO ONIBUS EM MARROCOS.



Diante do interesse pelo assunto (confesse, já leu a frase ao contrário), tomei a liberdade de seleccionar alguns dos melhores palíndromos da língua de Camões...



ANOTARAM A DATA DA MARATONA

ASSIM A AIA IA A MISSA

A DIVA EM ARGEL ALEGRA-ME A VIDA

A DROGA DA GORDA

A MALA NADA NA LAMA

A TORRE DA DERROTA

LUZA ROCELINA, A NAMORADA DO MANUEL, LEU NA MODA DA ROMANA: ANIL É COR AZUL

O CÉU SUECO

O GALO AMA O LAGO

O LOBO AMA O BOLO

O ROMANO ACATA AMORES A DAMAS AMADAS E ROMA ATACA O NAMORO

RIR, O BREVE VERBO RIR

A CARA RAJADA DA JARARACA

SAIRAM O TIO E OITO MARIAS

ZÉ DE LIMA RUA LAURA MIL E DEZ



SABE O QUE É TAUTOLOGIA?





É o termo usado para definir um dos vícios, e erros, mais comuns de linguagem. Consiste na repetição de uma idéia, de maneira viciada, com palavras diferentes, mas com o mesmo sentido.

O exemplo clássico é o famoso 'subir para cima' ou o 'descer para baixo'. Mas há outros, como pode ver na lista a seguir:



- elo de ligação

- acabamento final

- certeza absoluta

- quantia exacta

- nos dias 8, 9 e 10, inclusive

- juntamente com

- expressamente proibido

- em duas metades iguais

- sintomas indicativos

- há anos atrás

- vereador da cidade

- outra alternativa

- detalhes minunciosos

- a razão é porque

- anexo junto à carta

- de sua livre escolha

- superávit positivo

- todos foram unânimes

- conviver juntos

- fato real

- encarar de frente

- multidão de pessoas

- amanhecer o dia

- criação nova

- retornar de novo

- empréstimo temporário

- surpresa inesperada

- escolha opcional

- planejar antecipadamente

- abertura inaugural

- continua a permanecer

- a última versão definitiva

- possivelmente poderá ocorrer

- comparecer em pessoa

- gritar bem alto

- propriedade característica

- demasiadamente excessivo

- a seu critério pessoal

- exceder em muito .



Note que todas essas repetições são dispensáveis.

Por exemplo, 'surpresa inesperada'. Existe alguma surpresa esperada? É óbvio que não.

Devemos evitar o uso das repetições desnecessárias. Fique atento às expressões que utiliza no seu dia-a-dia.



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Reenvie para os amigos amantes da língua portuguesa.



E, assim, fala-se em bom português





Prof.. Pasquale Neto





No popular se diz:

'Esse menino não pára quieto, parece que tem bicho carpinteiro'



Correto:

'Esse menino não pára quieto, parece que tem bicho no corpo inteiro'



VOCÊ SABIA ?





"Batatinha quando nasce, esparrama pelo chão."



Enquanto o correto é:



'Batatinha quando nasce, espalha a rama pelo chão.'





'Cor de burro quando foge.'



O correto é:

"Corro de burro quando foge!"







Outro que no popular todo mundo erra:

'Quem tem boca vai a Roma.'



O correto é:

'Quem tem boca vaia Roma.' (isso mesmo, do verbo vaiar).









Outro que todo mundo diz errado,

'Cuspido e escarrado' - quando alguém quer dizer que é muito parecido com outra pessoa.



O Correto é:

"Esculpido em Carrara"

(Carrara é um tipo de mármore)











Mais um famoso...

'Quem não tem cão, caça com gato.'



O correto é:

'Quem não tem cão, caça como gato... ou seja, sozinho!'