quinta-feira, 24 de junho de 2010

Amizade

P 38
AMIZADE (gr. (piÀia; in. Friendship, fr. Amitiê, ai. Freundschaft; it. Amicizid). Em geral, a comunidade de duas ou mais pessoas ligadas por atitudes concordantes e por afetos positivos. Os antigos tiveram da A. um conceito muito mais amplo do que o admitido e usado hoje em dia, como se infere da análise que Aristóteles fez dela nos livros VIII e IX da Ética a Nicômaco. Segundo Aristóteles, a amizade é uma virtude ou está estreitamente unida à virtude: de qualquer forma, é o que há de mais necessário à vida, já que os bens que a vida oferece, como riqueza, poder, etc, não podem ser conservados nem usados sem os amigos (VIII, 1, 1.155 a 1). A A. deve ser distinguida das duas coisas com as quais parece ter mais afinidade: amor e benevolência. Distingue-se do amor ((píÀncriç) porque este é semelhante a uma afeição (v.); a A. a um hábito (v.). De tal modo que o amor também pode dirigir-se a coisas inanimadas, ao passo que corresponder ao amor, que é próprio da A. implica uma escolha que provém de um hábito (VIII, 5,1.157 b 28). Além disso, o amor é acompanhado por excitação e desejo, que são estranhos à A.; além disso, diferentemente da A., é provocado pelo prazer causado pela vista da beleza (IX, 5, 1.166 b 30). A A. distingue-se também da benevolência porque esta também pode dirigir-se a desconhecidos e permanecer oculta: o que não acontece com a A. (IX, 5, 1.167 a 10). A A. é, certamente, uma espécie de concórdia, mas uma concórdia que não repousa na identidade de opiniões, mas, assim como a concórdia entre cidades, na harmonia das atitudes práticas, de sorte que, a justo título, chama-se de "A. civil" a concórdia política (IX, 6, 1.167 a 22). A A. é, certamente, uma comunidade no sentido de que o amigo se comporta em relação ao amigo como em relação a si mesmo (IX, 12, 1.171 b 32). Há tantas espécies de amizades quantas são as comunidades, isto é, as partes da sociedade civil: entre os navegantes, entre os soldados, entre os que fazem um trabalho qualquer em comum (VIII, 9, 1.159 b 25). Pode haver também A. entre senhor e escravo, se o escravo não for considerado apenas um instrumento animado, mas um homem. Só na tirania há pouca ou nenhuma A., pois nela não há nada em comum entre quem manda e quem obedece, e a A. é tão mais forte quanto mais coisas comuns houver entre iguais (VIII, 11, 1.161, b 5). Há também tantas A. quantas são as formas do amor: entre pai e filho, entre jovem e velho, entre marido e mulher.
Esta última é a mais natural e nela se unem a utilidade e o prazer (VIII, 12, 1.Í61 b 11). Quanto ao fundamento da A., pode ser a utilidade recíproca, o prazer ou o bem, mas é claro que, enquanto a A. fundada na utilidade ou no prazer está destinada a acabar quando o prazer ou a utilidade cessarem, a A. fundada no bem é a mais estável e firme, portanto a verdadeira A. (VIII, 3, 1.156 a 6 ss.). Essa análise de Aristóteles, a mais completa e bela que em filosofia já se fez sobre o fenômeno A., apóia-se nos seguintes pontos: lº a A. é uma comunidade ou participação solidária de várias pessoas em atitudes, valores ou bens determinados; 2º está ligada ao amor, tem formas semelhantes, mas não se identifica com o amor; 3º aproxima-se mais da benevolência e, por isso, está vinculada aos afetos positivos, que implicam solicitude, cuidado, piedade, etc. Assim, segundo Aristóteles, a A. é mais ampla do que o amor, que é limitado e condicionado pelo prazer da beleza. E é diferente do amor pelo seu caráter ativo e seletivo, pelo que Aristóteles diz que o amor é uma afeição (rtáoç), isto é, uma modificação sofrida, ao passo que a A. é um hábito (assim como hábito é a virtude), isto é, uma disposição ativa e compromissiva da pessoa.
Depois de Aristóteles, a A. foi exaltada pelos epicuristas, que nela basearam um dos fundamentos de sua ética e de sua conduta prática. Nessa escola, porém, assume caráter aristocrático; é uma das manifestações da vida do sábio, e não está, como em Aristóteles, vinculada às relações humanas como tais. Nos testemunhos epicuristas que nos chegaram, reaparecem alguns reparos aristotélicos, como, p. ex., que "A A. nasce do útil, mas é um bem por si. Amigo não é quem procura sempre o útil, nem quem nunca o une à A., pois o primeiro considera a A. como um tráfico de vantagens, e o segundo destrói a esperança confiante de ajuda, que é parte importante da A." (Sent. Vat., 39-24, Bignone). Com o predomínio do Cristianismo, a importância da A. como fenômeno humano primário declina na literatura filosófica. O conceito mais amplo e mais importante passa a ser o do amor, do amor ao próximo, que carece dos caracteres seletivos e específicos que Aristóteles atribuíra à amizade. De fato, "próximo" é aquele com que deparamos ou que está comumente em relação conosco, seja quem for, amigo ou inimigo. A máxima aristotélica da A., "comportar-se com o amigo como consigo mesmo", ver nele "um outro eu" (Et. nic, IX, 9, 1170 b 5; IX, 12, 1171 b 32), é estendida pelo Cristianismo a todo próximo.

Alunos de 1º ano G, H, I, J, K e L leiam as definições e deixem sua opinião, críticas, sugestões e dúvidas para mantermos uma interlocução saudável. Estou aguardando sua contribuição.

Irzair Ciro Correa
Professor de Filosofia

o que é reciprocidade

NICOLA ABBAGNANO
DICIONÁRIO DE FILOSOFIA Martins Fontes São Paulo 1998
P 836
Sobre a amizade em Aristóteles

RECIPROCIDADE (in. Reciprocity, fr. Re-ciprocítê, ai. Wechseltvirkung; it. Reciprocitã d'azioné). É o princípio da conexão universal das coisas no mundo, em virtude do qual elas constituem uma comunidade, um todo organizado.
Portanto, a ação recíproca nada tem a ver com o princípio de ação e reação enunciado por Newton. Kant faz da ação recíproca um princípio puro do intelecto, e vê nele a terceira analogia da experiência (v.), expressa com as seguintes palavras: "Todas as substâncias, quando podem ser percebidas no espaço como simultâneas, estão entre si numa ação recíproca universal". Assim como a sucessão temporal tem fundamento na conexão causai, também a simultaneidade temporal tem fundamento na R. de ação entre as substâncias. Kant diz: "Sem comunidade, cada percepção (dos fenômenos no espaço) se separaria das outras, e a cadeia das representações empíricas, isto é, a experiência, deveria recomeçar do início a cada novo objeto, sem que a precedente pudesse ligar-se a ele ou estar em relação temporal com ele." Crít. R. Pura, Anal. dos princ, III, 3). O sentido da conexão recíproca é esclarecido em seguida por Kant da seguinte maneira (loc. cii): "A palavra Gemeinscbaft [= comunidade] tem duplo significado: pode significar tanto communio quanto comercium. Aqui a empregamos no segundo sentido, como comunidade dinâmica, sem a qual nem a comunidade espacial (communio spatiz) poderia ser conhecida empiricamente." Não admira que o Romantismo tenha valorizado ao máximo essa noção, de caráter tão nitidamente metafísico e espiritualista. Schelling afirma (System des transzenden-talen Idealismus, p. 228) que "a relação de causalidade não pode ser construída sem a ação recíproca", enquanto Hegel (Ene, §§ 154 ss.) vê na passagem da causalidade à ação recíproca a passagem da necessidade ao desvendamento da necessidade, ou seja, à liberdade. O que tudo isso significa é expresso com toda a clareza por Lotze, em Microcosmo (III2, p. 482): "A ação recíproca das substâncias finitas no mundo só poderá ser entendida se elas forem partes de uma Substância infinita que as abranja todas em si mesma." Essa noção é freqüente nas concepções espiritualistas do mundo, não passando de transcrição, em termos mais modernos, da simpatia universal (v. SIMPATIA) que as concepções mágicas (v. MAGIA) admitiam entre as coisas do mundo. Portanto, não é de surpreender que Schopenhauer afirmasse que "a ação recíproca não existe", porquanto "ela pressuporia que o efeito é a causa da sua causa, e que aquilo que segue é, ao mesmo tempo, o que precede" (Über die vierfache Wurzel dês Satzes vom zureichenden Grunde, 1813, § 20).

RECÍPROCO (in. Reciprocai; Converse, fr. Reciproque, ai. Reziprok, it. Reciproco). Em lógica, chama-se de recíproca a proposição obtida pela conversão da proposição dada, isto é, pela troca entre sujeito e predicado. O termo latino tradicional para tal proposição é conversa, e foi empregado por Boécio (De syllogismo categórico, P. L., 64, col. 804; cf. HAMILTON, Lectures on Logic, II, p. 259). Por "inversa"entende-se comumente a negativa de uma proposição (v. CONVERSÃO).

No texto acima a palavra R. significa reciprocidade.
A

amizade/simpatia

SIMPATIA (gr. m)urax8eia; in. Sympathy, fr. Sympatie, ai. Sympatbie, it. Simpatia). Ação recíproca entre as coisas ou sua capacidade de influência mútua. Esse conceito é antigo e desde a antigüidade foi aplicado tanto à realidade humana quanto à física, mas foi usado pelos filósofos antigos principalmente em relação ao mundo físico. Para os estóicos, a S. é o nexo que interliga as coisas, mantém-nas ou as faz convergir para a ordem do mundo (ARNIM, Stoicorum fragmenta, II, p. 264). Para Plotino, a S. era o fundamento da magia: "De onde provêm os encantamentos? Da S., graças à qual há uma concordância natural entre coisas semelhantes e discordância natural entre as coisas diferentes, e graças à qual também há grande número de potências variadas que colaboram para a unidade desse grande animal que é o universo." (Enn., IV, 4, 40). Plotino também dizia que "a S. é como uma corda esticada, que ao ser tocada numa das pontas transmite o movimento para a outra ponta.(...) E se a vibração passa de um instrumento para o outro por S., também no universo há uma harmonia única, que às vezes é feita de contrários, mas outras vezes é feita também de partes semelhantes e congêneres" (Ibid., IV, 4, 41). A magia insere-se na S. universal e, recorrendo a meios oportunos, aproveita-a para suas próprias finalidades, realizando assim efeitos que parecem extraordinários e milagrosos. Esse conceito de S., que pressupõe a animação de todas as coisas, é o fundamento da magia, sendo admitido igualmente por todos os mágicos da Renascença (cf. CAMPANELLA, De sensu rerum, IV, 1; 14; AGRIPA, De occulta philosophia, I, 1; I, 37; CARDAN, De varietate rerum, 1,1-2; G. B. ELMONT, Opuscula philosophica, I, 6, etc).
Com o declínio da magia no mundo moderno, o significado de S. limitou-se a indicar a comunhão de emoções entre os indivíduos humanos. Hume foi o primeiro a insistir na importância da S. no que se refere à formação de todas as emoções humanas: "Nenhuma qualidade da natureza humana é mais importante em si mesma ou em suas conseqüências do que a propensão que temos a simpatizarmos uns com os outros, a recebermos a comunicação das inclinações e dos sentimentos dos outros, por mais diferentes que sejam dos nossos, ou mesmo contrários. (...) A esse princípio podemos atribuir a grande uniformidade observável nos humores e nos modos de pensar dos membros de uma mesma nação: é muito mais provável que essa semelhança surja da S. que da influência do solo e do clima, que, apesar de serem sempre os mesmos, não conseguem manter inalterado por um século inteiro o caráter de uma nação" (Treatise, 1738, II, 1,11). É de se notar que Hume atribuiu à S. o caráter que mais tarde seria ressaltado por Scheler e rejeitado por autores mais modernos: o fato de ela não implicar nenhuma identidade de emoções ou fusão emocional nas pessoas entre as quais ocorre. Adam Smith só fez adotar a idéia diretiva de Hume, ao considerar a S. como base da vida moral e ao entendê-la como "a faculdade de participar das emoções de outrem, sejam elas quais forem" (TbeoryofMoralSentiments, 1759, I, 1, 3). Ocasionalmente, recorreu-se à S. no campo estético e biológico, chamando-a às vezes de empatia (v.). Bergson devolveu à S. o caráter instintivo e viu nela a possibilidade de apreender diretamente a natureza da vida: "O instinto é simpatia. Se essa S. pudesse estender seu objeto e refletir sobre si mesma, dar-nos-ia a chave das operações vitais, da mesma maneira como a inteligência, desenvolvida e retificada, nos introduz na matéria" (Évol. créatr., 8a ed., 1911, P- 191)- Por outro lado, numa obra famosa sobre a S., Scheler distinguiu-a dos fenômenos afins mas não idênticos, especialmente daquilo que ele chama de contágio emotivo ou fusão emotiva. A fusão emotiva consiste em ter a mesma emoção de outrem; p. ex., os pais que perderam um filho sentem a mesma dor. AS., ao contrário, não supõe a identidade de emoções: participar da dor alheia por sentir piedade não significa sentir a mesma dor. Por isso, para Scheler a S. era o componente da compreensão, que é condicionada pelo reconhecimento da alteridade entre as pessoas: "AS., a participação afetiva autêntica, é uma função e não comporta um estado afetivo na pessoa que o sente. O estado afetivo de B, implícito na piedade que sinto por ele, para mim continua sendo o estado afetivo de B: não passa para mim, quando o lastimo, e não produz em mim um estado semelhante ou idêntico" (Sympathie, 1923, 1; trad. fr., p., 69).

felicidade é

FELICIDADE (gr. eòôcciuovíoc; lat. Feliciteis, in. Happiness; fr. Bonheur, ai. Glückseligkeit; it. Felicita). Em geral, estado de satisfação devido à situação no mundo. Por esta relação com a situação, a noção de F. difere de bem aventurança{v.), que é o ideal de satisfação independente da relação do homem com o mundo, por isso limitada à esfera contemplativa ou religiosa. O conceito de F. é humano e mundano. Nasceu na Grécia antiga, onde Tales julgava feliz "quem tem corpo são e forte, boa sorte e alma bem formada" (DIÓG. L., I, 1, 37). A boa saúde, a boa sorte na vida e o sucesso da formação individual, que constituem os elementos da F., são inerentes à situação do homem no mundo e entre os outros homens. Demócrito, de maneira quase análoga, definia a F. como "a medida do prazer e a proporção da vida", que era manter-se afastado dos defeitos e dos excessos (Fr. 191, Diels). De qualquer maneira, F. e infelicidade pertencem à alma {Fr., 170, Diels), uma vez que somente a alma "é morada do nosso destino" {Fr. 171, Diels). A relação que muitas vezes se estabeleceu entre F. e prazer tem o mesmo significado, ou seja, é a conexão entre o estado definido como F. e a relação com o próprio corpo, com as coisas e com os homens. A tese segundo a qual a F. é o sistema dos prazeres foi expressa com toda a clareza por Aristipo, que fez a distinção entre prazer e felicidade. Somente o prazer é bem, porque só ele é desejado por si mesmo, sendo portanto fim em si. "O fim é o prazer particular, a F. é o sistema dos prazeres particulares, em que se somam também os passados e os futuros" (DIÓG. L., II, 8, 87). Egesias, que negava a possibilidade de F., negava-a justamente pelo fato de que os prazeres são demasiado raros e passageiros {Ibid., II, 8, 94). Por outro lado, Platão negava que a felicidade consistisse no prazer e a julgava, ao contrário, relacionada com a virtude. "Os felizes são felizes por possuírem a justiça e a temperança; os infelizes são infelizes por possuírem a maldade", diz ele em Górgias(508 b); no Banquete (202 c) são chamados de felizes "aqueles que possuem bondade e beleza". Mas justiça e temperança são virtudes; "possuir bondade e beleza" significa ainda ser virtuoso; e a virtude outra coisa não é, segundo Platão, senão a capacidade da alma de cumprir seu próprio dever, ou seja, de dirigir o homem da melhor maneira {Rep., I, 353 d. ss.). Portanto, também a noção platônica de F. é relativa à situação do homem no mundo e aos deveres que aqui lhe cabem. Quanto a Aristóteles, insistiu no caráter contemplativo da F. em seu grau superior, a bem-aventurança (v.), mas apresentou uma noção mais ampla de F., definindo-a como "certa atividade da alma, realizada em conformidade com a virtude" {Et. nic, I, 13, 1102 b); ela não exclui, mas inclui a satisfação das necessidades e das aspirações mundanas. As pessoas felizes, segundo Aristóteles, devem possuir as três espécies de bens que se podem distinguir, quais sejam, os exteriores, os do corpo e os da alma (Ibid., 1153 b, 17 ss.; Pol., VII, 1, 1323 a 22). É verdade que "os bens exteriores, assim como qualquer instrumento, têm um limite dentro do qual desempenham sua função utilitária de instrumentos, mas além do qual se tornam prejudiciais ou inúteis para quem os possui. Os bens espirituais, ao contrário, quanto mais abundantes, mais úteis". Mas em geral pode-se dizer que "cada qual merece a F., na medida da virtude, do tino e da capacidade de bem agir que possui, podendo se tomar como exemplo a divindade, que é feliz e bem-aventurada não graças aos bens exteriores, mas por si mesma, por aquilo que ela é, por natureza" {Pol., VII, 1, 1323 b 8). A F. é portanto mais acessível ao sábio que mais facilmente se basta a si mesmo {Et. nic, X, 7, 1777, a 25), mas é a isso que devem tender todos os homens e as cidades.
A ética pós-aristotélica, ao contrário, ocupa-se exclusivamente da F. do sábio; a nítida distinção feita pelos estóicos entre sábios e loucos torna obviamente inútil preocupar-se com estes últimos. O sábio é aquele que basta a si mesmo e que acha a F. em si mesmo, o que melhor se chamaria bem-aventurança. Plotino censura na noção aristotélica de F. o fato de ela consistir em que cada ser desempenhe sua função e atinja seus próprios objetivos, podendo ser perfeitamente aplicada não só aos homens, mas também aos animais e às plantas {Enn., I, 4,1 ss.). Nos estóicos Plotino critica a incoerência que consiste em considerar a F. independente das coisas externas ao mesmo tempo que aponta essas mesmas coisas como objeto da razão. Para Plotino, a F. é a própria vida; por isso, enquanto pertence a todos os seres vivos, pertence eminentemente à vida mais completa e perfeita, que é a da inteligência pura. O sábio, em quem tal vida se realiza, é um bem para si mesmo: só tem necessidade de si para ser feliz e não busca as outras coisas ou então as busca somente porque são indispensáveis às coisas que lhe pertencem (por exemplo, ao corpo), e não a ele mesmo. A F. do sábio não pode ser destruída pela má sorte, pelas doenças físicas ou mentais, nem por qualquer circunstância desfavorável, assim como não pode ser aumentada pelas circunstâncias favoráveis (Ibid., I, 4, 5 ss.): por isso, é a própria bem-aventurança de que gozam os deuses. A filosofia medieval adotou e enfatizou esses conceitos, adaptando a eles por vezes (como fez S. Tomás) a própria doutrina aristotélica, mas estendendo-os à totalidade dos homens.
A partir do humanismo, a noção de F. começa a ser estritamente ligada à de prazer, como já havia ocorrido com os cirenaicos e com os epicuristas. A obra De voluptate de Lourenço Valia gira em torno dessa conexão, que se acentua no mundo moderno. Locke e Leibniz concordam nesse aspecto. Locke diz que a F. "é o maior prazer de que somos capazes, e a infelicidade o maior sofrimento; o grau ínfimo daquilo que pode ser chamado de F. é estar tão livre de sofrimentos e ter tanto prazer presente que não é possível contentar-se com menos" {Ensaio, II, 21, 43). E Leibniz: "Creio que a F. é um prazer durável, o que não poderia acontecer sem o progresso contínuo em direção a novos prazeres" {Nouv. ess., II, 21, 42). A noção de F. como prazer ou como soma, ou melhor, "sistema" de prazeres, segundo a expressão do velho Aristipo, começa a adquirir significado social com Hume: a F. torna-se um prazer que pode ser difundido, o prazer do maior número, e dessa forma a noção de F. torna-se a base do movimento reformador inglês do séc. XTX. Entrementes, Kant, que julgava impossível considerar a F. como fundamento da vida moral, esclarecia eficazmente a noção de F. sem recorrer à de prazer: "A F. é a condição do ser racional no mundo, para quem, ao longo da vida, tudo acontece de acordo com seu desejo e vontade" {Crít. R. Prática, Dialética, seç. 5). Trata-se, portanto, de um conceito que o homem não haure dos instintos e que não deriva daquilo que nele é animalidade, mas que ele constrói para si de maneiras diferentes, que ele pode alterar com freqüência, muitas vezes arbitrariamente {Crít. do Juízo, § 83). Kant julga que a F. é parte integrante do bem supremo, que para o homem é a síntese de virtude e felicidade. Mas como tal o bem supremo não é realizável no mundo natural, seja porque nada garante neste mundo a perfeita proporção entre moralidade e F., em que consiste o bem supremo, seja porque nada garante a satisfação plena de todos os desejos e tendências do ser racional, em que consiste a F. Portanto, para Kant, a F. é impossível no mundo natural, sendo transferida para um mundo inteligível, que é "o reino da graça" {Crít. R. Pura, Doutrina do Método, cap. II, seç. 2). Em primeiro lugar, Kant teve o mérito de enunciar com rigor a noção de F. e, em segundo lugar, de mostrar que essa noção é empiricamente impossível, irrealizável. De fato, não é possível que sejam satisfeitas todas as tendências, inclinações e volições do homem, porque de um lado a natureza não se preocupa em vir ao encontro do homem, com vistas a essa satisfação total, e de outro porque as próprias necessidades e inclinações nunca se aquietam no repouso da satisfação {Crít. do Juízo, § 83). Associada ao conceito de satisfação absoluta e total— em que Hegel também insiste {Ene, § 479-480)—, a F. torna-se o ideal de um estado ou condição inatingível, a não ser no mundo sobrenatural e por intervenção de um princípio onipotente. Não é de admirar, portanto, que toda a parte da filosofia moderna que passou pelo filtro do kantismo tenha desprezado a noção de F. e não a tenha utilizado na análise daquilo que a existência humana é ou deve ser. Todavia, com Hume, o empirismo inglês havia iniciado (como já foi dito) um novo desenvolvimento dessa noção em sentido social, o que é próprio do utilitarismo. Hume observara que, "quando se elogia alguma pessoa bondosa e humana", nunca se deixa de dar destaque "à F. e satisfação da sociedade humana em poder contar com sua ação e com seus bons serviços" {Inc. Cone. Morais, II, 2). Portanto, identificara o que é moralmente bom com o que é útil e benéfico. Depois dele, Bentham retomava como fundamento da moral a fórmula de Beccaria: "A maior felicidade possível, no maior número de pessoas", fórmula em que também se inspiraram James Mill e Stuart Mill, acentuando cada vez mais o seu caráter social. Nesses autores não se encontra um conceito rigoroso de F., mas tampouco se encontra neles a rigidez e o absolutismo que essa noção sofrerá com Kant, o que a tornara impraticável. Eles sabem que a F., por depender de condições e circunstâncias objetivas além das atitudes do homem, não pode pertencer ao homem em sua individualidade, mas só ao homem enquanto membro de um mundo social. E embora relacionem F. com prazer, distinguem os vários tipos de prazer, admitindo a identificação apenas com os prazeres socialmente partilháveis. Na tradição cultural inglesa e americana, a noção de F. permaneceu viva com essa forma e, além do pensamento filosófico, inspirou o pensamento social e político. O princípio da maior felicidade continuou por muito tempo sendo a base do liberalismo moderno de cunho anglo-saxônico. A Constituição americana incluiu entre os direitos naturais e inalienáveis do homem "a busca da F.". A esta tradição liga-se Bertrand Russell, que foi um dos poucos a defender a noção de F., ainda que numa obra de caráter popular {A conquista da F., 1930). O que Russell acrescenta de novo à noção tradicional de F. (além de uma convincente análise das situações atuais de "infelicidade") é uma condição que ele julga indispensável: a multiplicidade dos interesses, das relações do homem com as coisas e com os outros homens, portanto a eliminação do "egocentrismo", do fechamento em si mesmo e nas paixões pessoais. Trata-se de uma condição que coloca a F. em posição diametralmente oposta à da auto-suficiência do sábio, que os antigos consideravam o grau mais elevado de F.
Por outro lado, não conseguindo mais utilizar a noção de F. como fundamento ou princípio da vida moral, os filósofos desinteressaram-se dessa noção. Para esse desinteresse também contribuiu a tendência, que nasceu com o Romantismo e predominou por muito tempo, de exaltar a infelicidade, a dor, os estados de perturbação e insatisfação como experiências positivas e intrinsecamente regozijadoras. Com efeito, nos graus e nas formas em que pode ser considerada realizável, a F. é um estado de calma, uma condição de equilíbrio pelo menos relativo, de satisfação parcial e, todavia efetiva, que é exatamente o oposto da inquietude romântica. A filosofia contemporânea ainda não se deteve para analisar a noção de F. nos limites em que ela pode servir para descrever situações humanas e orientá-las. Contudo, a importância dessa noção é hoje evidenciada pelo interesse que algumas noções negativas como "frustração", "insatisfação", etc, têm na psicologia individual e social, normal e patológica. Estas noções e outras análogas indicam, pois, a ausência mais ou menos grave da condição de satisfação pelo menos relativa que a palavra F. tradicionalmente designa. A importância destas para a análise de estados ou condições mais ou menos patológicos evidencia a importância que a noção positiva correspondente tem para as condições normais da vida humana.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

será a felicidade

Será a felicidade necessária?
Os pais costumam dizer que importante é que os filhos sejam felizes. Ora, felicidade é coisa grandiosa. Não há encargo mais pesado para a pobre criança
Felicidade é uma palavra pesada. Alegria é leve, mas felicidade é pesada. Diante da pergunta "Você é feliz?", dois fardos são lançados às costas do inquirido. O primeiro é procurar uma definição para felicidade, o que equivale a rastrear uma escala que pode ir da simples satisfação de gozar de boa saúde até a conquista da bem-aventurança. O segundo é examinar-se, em busca de uma resposta. Nesse processo, depara-se com armadilhas. Caso se tenha ganhado um aumento no emprego no dia anterior, o mundo parecerá belo e justo; caso se esteja com dor de dente, parecerá feio e perverso. Mas a dor de dente vai passar, assim como a euforia pelo aumento de salário, e se há algo imprescindível, na difícil conceituação de felicidade, é o caráter de permanência. Uma resposta consequente exige colocar na balança a experiência passada, o estado presente e a expectativa futura. Dá trabalho, e a conclusão pode não ser clara.
Os pais de hoje costumam dizer que importante é que os filhos sejam felizes. É uma tendência que se impôs ao influxo das teses libertárias dos anos 1960.
É irrelevante que entrem na faculdade, que ganhem muito ou pouco dinheiro, que sejam bem-sucedidos na profissão. O que espero, eis a resposta correta, é que sejam felizes. Ora, felicidade é coisa grandiosa. É esperar, no mínimo, que o filho sinta prazer nas pequenas coisas da vida. Se não for suficiente, que consiga cumprir todos os desejos e ambições que venha a abrigar. Se ainda for pouco, que atinja o enlevo místico dos santos. Não dá para preencher caderno de encargos mais cruel para a pobre criança.
"É a felicidade necessária?" é a chamada de capa da última revista New Yorker (22 de março) para um artigo que, assinado por Elizabeth Kolbert, analisa livros recentes sobre o tema. No caso, a ênfase está nas pesquisas sobre felicidade (ou sobre "satisfação", como mais modestamente às vezes são chamadas) e no impacto que exercem, ou deveriam exercer, nas políticas públicas. Um dos livros analisados, de autoria do ex-presidente de Harvard Derek Bok (The Politics of Happiness: What Government Can Learn from the New Research on Well-Being), constata que nos últimos 35 anos o PIB per capita dos americanos aumentou de 17 000 dólares para 27 000, o tamanho médio das casas cresceu 50% e as famílias que possuem computador saltaram de zero para 70% do total. No entanto, a porcentagem dos que se consideram felizes não se moveu. Conclusão do autor, de lógica irrefutável e alcance revolucionário: se o crescimento econômico não contribui para aumentar a felicidade, "por que trabalhar tanto, arriscando desastres ambientais, para continuar dobrando e redobrando o PIB?".
Outro livro, de autoria de Carol Graham, da Universidade de Maryland (Happiness Around the World: The Paradox of Happy Peasants and Miserable Millionaires), informa que os nigerianos, com seus 1 400 dólares de PIB per capita, atribuem-se grau de felicidade equivalente ao dos japoneses, com PIB per capita 25 vezes maior, e que os habitantes de Bangladesh se consideram duas vezes mais felizes que os da Rússia, quatro vezes mais ricos. Surpresa das surpresas, os afegãos atribuem-se bom nível de felicidade, e a felicidade é maior nas áreas dominadas pelo Talibã. Os dois livros vão na mesma direção das conclusões de um relatório, também citado no artigo da New Yorker, preparado para o governo francês por dois detentores do Nobel de Economia, Amartya Sen e Joseph Stiglitz. Como exemplo de que PIB e felicidade não caminham juntos, eles evocam os congestionamentos de trânsito, "que podem aumentar o PIB, em decorrência do aumento do uso da gasolina, mas não a qualidade de vida".
Embora embaladas com números e linguagem científica, tais conclusões apenas repisariam o pedestre conceito de que dinheiro não traz felicidade, não fosse que ambicionam influir na formulação das políticas públicas. O propósito é convidar os governantes a afinar seu foco, se têm em vista o bem-estar dos governados (e podem eles ter em vista algo mais relevante?). Derek Bok, o autor do primeiro dos livros, aconselha ao governo americano programas como estender o alcance do seguro-desemprego (as pesquisas apontam a perda de emprego como mais causadora de infelicidade do que o divórcio), facilitar o acesso a medicamentos contra a dor e a tratamentos da depressão e proporcionar atividades esportivas para as crianças. Bok desce ao mesmo nível terra a terra da mãe que trocasse o grandioso desejo de felicidade pelo de uma boa faculdade e um bom salário para o filho.

sobre a felicidade

Os pais costumam dizer que importante é que os filhos sejam felizes. Ora, felicidade é coisa grandiosa. Não há encargo mais pesado para a pobre criança Felicidade é uma palavra pesada. Alegria é leve, mas felicidade é pesada. Diante da pergunta "Você é feliz?", dois fardos são lançados às costas do inquirido. O primeiro é procurar uma definição para felicidade, o que equivale a rastrear uma escala que pode ir da simples satisfação de gozar de boa saúde até a conquista da bem-aventurança. O segundo é examinar-se, em busca de uma resposta. Nesse processo, depara-se com armadilhas. Caso se tenha ganhado um aumento no emprego no dia anterior, o mundo parecerá belo e justo; caso se esteja com dor de dente, parecerá feio e perverso. Mas a dor de dente vai passar, assim como a euforia pelo aumento de salário, e se há algo imprescindível, na difícil conceituação de felicidade, é o caráter de permanência. Uma resposta consequente exige colocar na balança a experiência passada, o estado presente e a expectativa futura. Dá trabalho, e a conclusão pode não ser clara.Os pais de hoje costumam dizer que importante é que os filhos sejam felizes. É uma tendência que se impôs ao influxo das teses libertárias dos anos 1960.É irrelevante que entrem na faculdade, que ganhem muito ou pouco dinheiro, que sejam bem-sucedidos na profissão. O que espero, eis a resposta correta, é que sejam felizes. Ora, felicidade é coisa grandiosa. É esperar, no mínimo, que o filho sinta prazer nas pequenas coisas da vida. Se não for suficiente, que consiga cumprir todos os desejos e ambições que venha a abrigar. Se ainda for pouco, que atinja o enlevo místico dos santos. Não dá para preencher caderno de encargos mais cruel para a pobre criança."É a felicidade necessária?" é a chamada de capa da última revista New Yorker (22 de março) para um artigo que, assinado por Elizabeth Kolbert, analisa livros recentes sobre o tema. No caso, a ênfase está nas pesquisas sobre felicidade (ou sobre "satisfação", como mais modestamente às vezes são chamadas) e no impacto que exercem, ou deveriam exercer, nas políticas públicas. Um dos livros analisados, de autoria do ex-presidente de Harvard Derek Bok (The Politics of Happiness: What Government Can Learn from the New Research on Well-Being),constata que nos últimos 35 anos o PIB per capita dos americanos aumentou de 17 000 dólares para 27 000, o tamanho médio das casas cresceu 50% e as famílias que possuem computador saltaram de zero para 70% do total. No entanto, a porcentagem dos que se consideram felizes não se moveu. Conclusão do autor, de lógica irrefutável e alcance revolucionário: se o crescimento econômico não contribui para aumentar a felicidade, "por que trabalhar tanto, arriscando desastres ambientais, para continuar dobrando e redobrando o PIB?".Outro livro, de autoria de Carol Graham, da Universidade de Maryland (Happiness Around the World: The Paradox of Happy Peasants and Miserable Millionaires), informa que os nigerianos, com seus 1 400 dólares de PIB per capita, atribuem-se grau de felicidade equivalente ao dos japoneses, com PIB per capita 25 vezes maior, e que os habitantes de Bangladesh se consideram duas vezes mais felizes que os da Rússia, quatro vezes mais ricos. Surpresa das surpresas, os afegãos atribuem-se bom nível de felicidade, e a felicidade é maior nas áreas dominadas pelo Talibã. Os dois livros vão na mesma direção das conclusões de um relatório, também citado no artigo daNew Yorker preparado para o governo francês por dois detentores do Nobel de Economia, Amartya Sen e Joseph Stiglitz. Como exemplo de que PIB e felicidade não caminham juntos, eles evocam os congestionamentos de trânsito, "que podem aumentar o PIB, em decorrência do aumento do uso da gasolina, mas não a qualidade de vida". Embora embaladas com números e linguagem científica, tais conclusões apenas repisariam o pedestre conceito de que dinheiro não traz felicidade, não fosse que ambicionam influir na formulação das políticas públicas. O propósito é convidar os governantes a afinar seu foco, se têm em vista o bem-estar dos governados (e podem eles ter em vista algo mais relevante?). Derek Bok, o autor do primeiro dos livros, aconselha ao governo americano programas como estender o alcance do seguro-desemprego (as pesquisas apontam a perda de emprego como mais causadora de infelicidade do que o divórcio), facilitar o acesso a medicamentos contra a dor e a tratamentos da depressão e proporcionar atividades esportivas para as crianças. Bok desce ao mesmo nível terra a terra da mãe que trocasse o grandioso desejo de felicidade pelo de uma boa faculdade e um bom salário para o filho.

SOCIEDADE DO ESPETÁCULO

De acordo com a televisão brasileira o julgamento mais famoso ou pelo menos o que teve maior repercussão nos últimos tempos foi que convencionarei a chamar doravante de “Caso Nardoni”. É perda de tempo repetir o acontecido porque a mídia jaó fez a exaustão. Aliás, abusaram da nossa paciência fazendo menção ao caso nos programas jornalísticos, de culinárias, de auditórios, esportivos ou de qualquer outra modalidade, todos os canais, foi uma verdadeira enxurrada sem precedentes. Exceto com o “Mensalão”, o original, que tinha como protagonista o Jeferson – que por sinal era simpaticíssimo- a televisão não tinha martelado tanto em um caso. Mas isso não é pecado apenas da mídia falada, a escrita também tem parte nesse espetáculo. A imprensa tem o direito de noticiar, aliás, é seu dever, mas não isso é isso que está em questão. Sobre o caso teve ter milhares de horas de gravação, o povo se manifestou, claro, onde há câmeras há papagaios tentando aparecer na televisão, logo posso suspeitar de o clamor público não é legitimo, antes, foi induzido pela ganância na busca dos 15 minutos de fama a que todos têm direito. Promotores, juízes, juristas renomados, jornalistas, peritos criminais e toda uma gama de profissionais se promoveram a custa dos Nardonis. Quanto a estes –o casal Nardoni- não sei até que ponto faz parte do espetáculo, ou se foram posto para espetáculo. Vivemos em uma sociedade do espetáculo e exatamente por isso sobra pouco tempo para reflexão e o que observamos nesse caso é a constatação de um fato que nem sempre está evidente: a loucura está na multidão. Multidão de pessoas, de evidencias matérias do crime, multiplicidade de ponto de vista, multidão de câmeras de TV ociosa cobrindo o evento e por ai afora vai e ninguém sabe onde vai dar. Vamos analisar alguns pontos desse caso e ver se os procedimentos se justificam e por que se justificam ou não. Primeiro veremos o clamor popular em torno do caso. É legitimo, visto que em uma metrópole igual a São Paulo há sempre gente sobrando para “engrossar o caldo” em qualquer evento. Prova disso são os jogos de futebol que lá se realizam e uma multidão converge aos estádios e depois se matam na saída. Podemos então deduzir que os paulistas, povo que se gaba da civilidade, formadores de gosto, ou melhor, indicadores de gosto, porque o que se gosta em São Paulo é apontado como gosto de todo o Brasil, são fáceis de ser tangidos como todos os outros. Então o clamor popular é legitimo, mas isso não justifica a repercussão estrondosa do caso. Afinal o que eles buscam? Justiça? Um bom juiz não dá o veredicto baseado no clamor popular um povo civilizado como os paulistas deveriam saber disso. Estão chocados com a ocorrência? Quantas pessoas foram jogadas pela janela depois da Isabela? Várias. Ai mesmo em São Paulo, no sul do país. Mas só esse caso merece repercussão na memória do povo. Por que a televisão cobriu maciçamente o caso? Renato Machado da Globo chegou a dizer que o Brasil todo deveria se interessar pelo caso porque é um dos mais importante da história jurídica do país. De onde ele tirou essa idéia? As leis mudarão pós julgamento do “Caso Nardoni”? as construtoras instalarão dispositivos nas janelas que evitarão que crianças sejam atiradas por ela? Quanto a jurisprudência que precedente esse caso poderá instaurar depois veredicto? São coisas que poderemos observar só a longo prazo. Mas enquanto isso onde a importância do caso. Me parece que tal fato só foi revestido de tanta relevância em decorrência de alguns fatores: o caso foi em São Paulo onde há maior número de câmeras ociosas e as maiores mídias do Brasil concentra seus escritórios. O fator geográfico foi preponderante. E também pelo fato de que os Nardonis te poder aquisitivo, caso contrário seriam lançados no calabouço e as calendas. Uma última pergunta: qual a importância desse caso para toda a comunidade? Para o cidadão médio pagador de impostos, para o agricultor que trabalha na zona rural, para o desempregado que sonha com um futuro melhor e para os outros tantos setores da sociedade que convive diariamente com o “panis et circenses” promovido pelos setores mais representativos da mídia em torno caso. É doloroso constatar que pessoas estão sofrendo, os Nardoni sofrem, a mãe biológica da menina também, mas a mídia, ah! a mídia, essa quer espetáculo, grotesco espetáculo.