sexta-feira, 20 de agosto de 2010

DEFINIÇÃO DE VIOLENCIA DE BOBBIO DICIONÁRIO DE POLITICA

DEFINIÇÃO DE VIOLENCIA DO DICIONÁRIO DE POLITICA DO BOBBIO

I. DEFINIÇÃO. — Por Violência entende-se a intervenção física de um indivíduo ou grupo contra outro indivíduo ou grupo (ou também contra si mesmo). Para que haja Violência é preciso que a intervenção física seja voluntária: o motorista implicado num acidente de trânsito não exerce a Violência contra as pessoas que ficaram feridas, enquanto exerce Violência quem atropela intencionalmente uma pessoa odiada. Além disso, a intervenção física, na qual a Violência consiste, tem por finalidade destruir, ofender e coagir. É Violência a intervenção do torturador que mutila sua vítima; não é Violência a operação do cirurgião que busca salvar a vida de seu paciente. Exerce Violência quem tortura, fere ou mata; quem, não obstante a resistência, imobiliza ou manipula o corpo de outro; quem impede materialmente outro de cumprir determinada ação. Geralmente a Violência é exercida contra a vontade da vítima. Existem, porém, exceções notáveis, como o suicídio ou os atos de Violência provocados pela vítima com finalidade propagandística ou de outro tipo.
A Violência pode ser direta ou indireta. É direta quando atinge de maneira imediata o corpo de quem a sofre. É indireta quando opera através de uma alteração do ambiente físico no qual a vítima se encontra (por exemplo, o fechamento [1292] de todas as saídas de um determinado espaço) ou através da destruição, da danificação ou da subtração dos recursos materiais. Em ambos os casos, o resultado é o mesmo: uma modificação prejudicial do estado físico do indivíduo ou do grupo que é o alvo da ação violenta.
Entendido no sentido puramente descritivo, o termo Violência pode considerar-se substancialmente sinônimo de força (para as relações entre estes dois conceitos v. FORÇA). Ele, porém, distingue-se de maneira precisa da noção de "poder". O poder é a modificação da conduta do indivíduo ou grupo, dotada de um mínimo de vontade própria (v. PODER) . A Violência é a alteração danosa do estado físico de indivíduos ou grupos. O poder muda a vontade do outro; a Violência, o estado do corpo ou de suas possibilidades ambientais e instrumentais. Naturalmente as intervenções físicas podem ser empregadas como um meio para exercer o poder ou para aumentar o próprio poder no futuro. Grande parte de quanto vamos analisar mais adiante é dedicada exatamente ao exame das funções que tais intervenções podem ter nas relações de poder próprias do domínio político. Isto, porém, não muda o fato de que, por si só, independentemente dos seus efeitos mediatos, a intervenção física é Violência e não poder. A distinção entre Violência e poder é importante mesmo sob o aspecto dos resultados que será possível respectivamente obter com estes dois métodos de intervenção. Com o poder, ou seja, intervindo sobre a vontade do outro, pode-se obter, em hipótese, qualquer conduta externa ou interna, tanto uma ação como uma omissão, tanto um acreditar como um desacreditar.
Com o único meio imediato da Violência, isto é, intervindo sobre o corpo, pode-se obter uma omissão: imobilizando ou prendendo a vítima podemos impedi-la de realizar qualquer ação socialmente relevante, mas alterando o estado físico do outro não se pode obrigá-lo a fazer nada de socialmente relevante. Assim como não se pode fazer com que ele acredite em alguma coisa, nem podemos impedir que ele acredite em alguma coisa a não ser que recorramos à medida extrema de suprimi-lo. Neste campo, todavia, a bioquímica e a farmacologia não estão longe de criar instrumentos de intervenção física que poderão anular, numa medida maior ou menor os tradicionais limites da eficácia da Violência.
A distinção entre Violência e poder envolve também o poder coercitivo baseado nas sanções físicas e comporta, por isso, a distinção entre Violência em ato e ameaça de Violência. Com efeito, esta distinção é importante, se prescindirmos de alguns casos limite, pois nas relações do poder coercitivo a Violência intervém sob a forma de punição, quando a ameaça não conseguiu a finalidade desejada, e sanciona neste caso a falência do poder.
Na Violência que golpeia e suprime um mártir, expressa-se, de uma parte, a superioridade da força do perseguidor, mas, de outra, expressa-se também a impotência de suas ameaças mais graves para dobrar a vontade do mártir, que prefere a morte a renegar seu deus. Devem, porém, distinguir-se da Violência as relações de poder coercitivo que se baseiam em sanções diferentes da força: por exemplo, um prejuízo econômico, a retirada do afeto de uma pessoa amada, a destituição de um cargo, a retirada do respeito de um grupo de amigos ou colegas, etc. Em relação a estes tipos de poder coercitivo, fala-se muitas vezes de Violência, assim como se fala, algumas vezes, de Violência referindo-se à MANIPULAÇÃO (V.) .
É indubitável que este emprego de Violência pode achar justificativa na ampla área de significados que é própria da palavra na linguagem comum, pois os poderes de coerção e de manipulação são todas as relações nas quais quem exerce o poder obriga o outro, abertamente ou de maneira velada, a manter uma conduta desagradável e por isso de qualquer modo faz Violência à sua vontade. De outra parte, o uso indiscriminado do termo Violência, designando todas estas relações de poder, além das intervenções físicas, produz o grave dano de colocar, na mesma categoria, relações que são muito diversas entre si pelos caracteres estruturais, pelas funções e pelos efeitos, conseqüentemente provocando mais confusão do que clareza. Assim sendo, é mais oportuno designar essas relações de poder com os termos mais corretos de "coerção" e "manipulação", que têm melhores condições para expressar também aquele elemento de opressão que se desejaria evidenciar usando a palavra Violência, reservando para a palavra Violência a definição restrita e técnica que apresentamos acima e que prevalece na literatura política e sociológica.
Esclarecida assim a distinção analítica entre ameaça de Violência e Violência em ato, é preciso evidenciar a conexão significativa que existe entre estes dois fenômenos. Numa relação de poder coercitivo, baseada em sanções físicas e dotada de uma certa continuidade, o uso da Violência como punição para uma desobediência, enquanto mostra a ineficácia da ameaça, no caso particular da desobediência, pode, ao mesmo tempo, acrescentar a eficácia da ameaça, portanto, do poder coercitivo para o futuro. A eficácia de uma ameaça depende, de fato, de um lado, do grau de sofrimento que pode ocasionar o interventor físico no ameaçado e, de outro lado, o grau de sua [1293] credibilidade. A credibilidade da ameaça depende, por sua vez, de o ameaçado reconhecer que aquele que faz a ameaça possui os meios para efetuá-la, além de estar realmente determinado a fazê-lo. Nada prova melhor estes dois requisitos de credibilidade da ameaça do que o fato de que o elemento ameaçador realizou efetivamente e regularmente em ato a punição em casos anteriores e análogos.
Este efeito demonstrativo da Violência em ato é tão importante que a ele se recorre, mesmo além dos casos de punição: particularmente através de ações que podemos chamar "demonstrações de força". Este tipo de Violência é usado, geralmente, para instaurar, consolidar ou ampliar o controle coercitivo de uma dada situação. A Violência não tem aqui a função de reforçar uma determinada ameaça, mas a de uma advertência geral, que tende a consolidar todas as possíveis ameaças futuras. Por isso, na análise de um determinado poder coercitivo, baseado na ameaça de sanções físicas, é preciso ter presente, especialmente numa dimensão temporal, tanto a ameaça da Violência, quanto a Violência em ato como punição, quanto ainda a Violência em ato como ação "demonstrativa".

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