sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O QUE É VIOLÊNCIA: TEMAS DE FILOSOFIA ARANHA

Escola: ______________________________________ professor: Irzair Ciro Correa
Disciplina: Filosofia
Proposta de atividades: formar grupos de 4 pessoas; ler o texto; debater sobre o tema e sua pertinência na contemporaneidade.
Refletir sobre: em que medida a violência nos afeta; em que medida outras pessoas são afetadas por nossas ações violentas?
Faça as atividades no caderno, conserve o texto em boas condições, outras pessoas podem se beneficiar dele.

O que é violência?

Aqueles que são objeto de violência transformam-se em vítimas, pois são prejudicados de alguma forma pelo uso da força ou privados de algum bem, seja ele a vida, a integridade do corpo ou do espírito, a dignidade, a liberdade de movimento ou os bens materiais. Por isso constitui violência matar, ferir, prender, roubar, humilhar, explorar o trabalho alheio.
Existe violência quando alguém voluntariamente faz uso da força para obrigar uma pessoa ou grupo a agir de forma contrária a sua vontade, ou quando os impede de agir de acordo com sua própria intenção. Ou, ainda, quando priva alguém de um bem.
Tipos de violência
Nem sempre é fácil identificar a violência. Por exemplo, uma cirurgia não constitui violência, primeiro porque visa o bem do paciente, depois porque é feita com o consentimento do doente. Mas certamente será violência se a operação for realizada sem necessidade ou se o paciente for usado como cobaia de experimento científico sem a devida autorização.
Mas, se o motorista causador de um acidente alegar que não foi violento por não ter causado prejuízo voluntariamente, é preciso verificar se não houve descuido ou omissão da parte dele. Afinal, a violência passiva ocorre toda vez que deixamos de fazer determinadas ações cujo cumprimento seria necessário para salvar vidas ou evitar sofrimentos. É nesse sentido que podemos lastimar os altos índices de acidentes de trabalho apontados no Brasil pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Outras vezes, estamos diante da violência indireta. Por exemplo, se sabemos que o clorofluorcarbono (CFC) destrói a camada de ozônio da Terra e com isso provoca câncer de pele, usar um desodorante spray contendo CFC significa agressão não só aos contemporâneos, como também às gerações futuras.
Há situações em que não existe violência física, mas outro tipo de violência, de natureza psicológica. Por exemplo, não existe violência quando tentamos superar as contradições e conflitos convencendo, por meio da persuasão, os que pensam de maneira diferente da nossa. No entanto, existe violência quando, mesmo sem usar o chicote ou a palmatória, o pai ou o professor exigem o comportamento desejado, doutrinando as crianças, impondo valores e dobrando-as para a obediência cega e aceitação passiva da autoridade. Nesse caso, embora não haja violência física, existe violência simbólica, já que a força que se exerce é de natureza psicológica e atua sobre a consciência, exigindo a adesão irrefletida que só aparentemente é voluntária.
Ocorre violência simbólica também nos casos em que um candidato a cargo público distorce informações para conseguir votos, quando a imprensa manipula a opinião pública ou ainda quando o governo usa propaganda e slogans para ocultar seus desmandos. Enfim, constitui violência simbólica toda manipulação ideológica que obriga a adesão sem críticas das consciências e das vontades. O manipulador dirige, molda as formas de pensar e agir de maneira que o manipulado acredita estar pensando e agindo por livre vontade. Portanto, a violência existe, mas não se apresenta como tal.
Nem sempre a violência "salta à vista", não sendo claramente percebida. Às vezes não é possível se conhecer o agente causador, outras vezes a ação nem é prevista nos códigos penais, e, portanto a tendência é não reconhecê-la como violência propriamente dita. Por exemplo, a existência da pobreza parece ser conseqüência inevitável de uma certa "ordem natural" que comanda as relações entre os homens. Haveria, então, pessoas pobres ou países subdesenvolvidos devido à incompetência, ao descuido ou à fatalidade: "Afinal, sempre foi assim...", é o que se costuma dizer. Porém, na raiz desses problemas encontramos a violência da desigualdade social decorrente da injusta repartição das tarefas e dos privilégios que levam ao irregular aproveitamento dos bens produzidos pela comunidade. Nesse sentido, é violência a fome crônica em amplas regiões do mundo enquanto resultado do planejamento econômico que visa, em primeiro lugar, o interesse dos negócios. É também violência a criança permanecer fora da escola, privando-se de educação e do saber acumulado pela sociedade em que vive, porque precisa trabalhar, ou por outros motivos decorrentes dos desfavorecimentos da classe a que pertence.
Chamamos de violência branca a esse tipo de privação, devido ao fato de não ser sangrenta (vermelha). Mas nem por isso pode ser considerada menos cruel.
A violência pode ser justa?
Resta saber se toda e qualquer violência é condenável. Na história da humanidade sempre temos notícia de exemplos de violência que servem à opressão. Mas, às vezes, a violência se torna o único recurso de defesa e garantia dos valores humanos. Nesse caso, mesmo sendo uma forma de constrangimento e destruição, é benéfica por estar a serviço da vida. É o caso da defesa da própria vida, da vida dos que amamos, da liberdade da pátria, das revoltas de escravos, das insurreições dos povos colonizados. A violência é justa e legítima quando é libertadora, ou quando visa evitar a morte, desde que seja usada como último recurso, já tendo sido esgotados todos os outros caminhos possíveis.
Uma vez desencadeada a violência legítima, é preciso que ela seja provisória, passageira, desaparecendo assim que forem cessadas as causas que provocaram a primeira violência contra a qual se insurgira a violência legítima. Evidentemente não é fácil saber quando a violência é justa, mesmo porque nem sempre é possível perceber de imediato quem é opressor e quem é oprimido.
A "violência legítima" do Estado
Já vimos que, a partir da Idade Moderna, o Estado significa a posse de um território em que o comando sobre seus habitantes se faz a partir da centralização cada vez maior do poder. Para isso são utilizadas instituições políticas, jurídicas, administrativas, policiais e econômicas. O Estado pode impor leis, fazê-las cumprir e punir os infratores, já que dispõe de aparelho repressivo constituído por tribunais, polícia, prisões, exército, se tornando, por isso, o único a quem é permitido o uso da violência legítima.
Com muita freqüência, a história nos tem mostrado o abuso desses poderes; absolutismo dos reis na Idade Moderna e,no século XX, autoritarismo na América Latina e totalitarismo na Itália (Mussolini), Alemanha (Hitler) e União Soviética (Stálin).
No entanto, ainda quando o Estado se configura democrático, ocorrem formas de violência que, mesmo não sendo claramente percebidas, nem por isso são menos eficazes. Por meio da violência simbólica, o Estado interfere em inúmeros setores da vida pública de modo a fazer reproduzir comportamentos desejáveis para a manutenção do poder. Ê nesse sentido que Marx considera o Estado um instrumento a serviço da classe dominante. Aos aparelhos repressivos do Estado (tribunais, prisões etc.), o filósofo francês Althusser acrescenta os aparelhos ideológicos de Estado, tais como escola, família, meios de comunicação de massa, instituições de cultura, partidos políticos, a partir dos quais o Estado transmite a ideologia e exerce a violência simbólica.
Foucault, outro filósofo francês, prefere examinar a questão do poder não enquanto manifestação do Estado e de seus aparelhos, mas como uma rede de micropoderes que se estende por todo o corpo social. Para Foucault, a ordem na sociedade é estabelecida pelas normas aceitas racionalmente, legitimadas pelo saber que, a partir dos séculos XVII e XVIII, cria a sociedade disciplinar, caracterizada pela organização do espaço, controle do tempo e vigilância do olhar, e que visa ao controle dos corpos: a disciplina fabrica corpos submissos e adestrados, corpos "dóceis". Não é por acaso que, na referida época, surgem os "locais de vigilância" como a fábrica, a caserna, a escola, o hospital, o hospício, a prisão. Embora algumas dessas instituições tivessem similares em tempos anteriores, em nenhum caso o controle e vigilância aconteceram de forma tão eficaz quanto a partir da Idade Moderna.
Violência e política
A violência tem sido objeto de atenção de sociólogos, psicólogos e cientistas políticos desejosos de compreender a ampliação do fenômeno nos mais diversos campos da atividade humana. Desde a década de 70, temos visto subir assustadoramente os índices de violência urbana no mundo inteiro. Os tipos de violência variam conforme o país e, evidentemente, dependem também do desenvolvimento econômico. Mesmo assim, seja no Primeiro ou no Terceiro Mundo, há preocupação com o aumento dos casos de seqüestres, estupros, assaltos a mão armada e até roubo de tênis "de marca" nas portas das escolas. A ordem instituída se fragiliza diante do poder dos cartéis de narcotráfico. Cada vez mais grupos de jovens buscam emoções nas drogas e nos confrontos violentos entre "gangues" rivais.
Para complicar o quadro, no início da década de 90 o Brasil enfrenta também o agravamento da injusta distribuição de renda. No país das hierarquias, do desprezo pelos direitos humanos fundamentais, não há como evitar o desenvolvimento da "cultura da violência".
O número vergonhoso de assassinatos de crianças e adolescentes no Brasil indica o desprezo por outra violência anterior: a do aumento da miséria, que encaminha os pequenos ao trabalho precoce ou a atividades marginais. O número enorme de crianças abandonadas ou carentes (com família, mas sem condições para sustentá-las) leva a distorções difíceis de reverter. Como passam a ser infratoras, são recolhidas às instituições totais (reformatórios), onde, além de serem submetidas a maus-tratos, se aperfeiçoam nas "artes" do crime. Ou, então, grupos clandestinos de "justiceiros" são contratados para exterminar os pequenos "bandidos". Essa questão tem sido objeto de discussões até no exterior, e provocou a elaboração do controvertido Estatuto da Criança e do Adolescente. A "cultura da violência" também transparece nos atos coletivos de linchamento em que a "justiça é feita com as próprias mãos", bem como na aceitação passiva, por uma parte da população, de grupos como o Esquadrão da Morte, que fez inúmeras vítimas, sobretudo na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro.
É a partir desse clima de violência que a classe média e as camadas populares mais pobres — geralmente as mais atingidas pela violência institucional — equivocadamente aplaudem iniciativas como as de implantação da pena de morte, considerada por alguns como a solução para a diminuição dos índices de criminalidade.
A pretexto de "fazer justiça com as próprias mãos", à revelia das instituições do Direito, o Esquadrão da Morte se caracteriza pela clandestinidade e pela violência contra aqueles que, por sua vez, já são vítimas da marginalização social e econômica. Quando e como vamos interromper o círculo vicioso da violência?
Mesmo considerando a violência um fenômeno existente em todos os tempos e lugares, sendo ilusão imaginar um mundo em que ela se extinguisse de vez, não há como negar que estamos vivendo uma época de exaltação da violência. Basta ver que filmes atraem multidões ao cinema, ou servem tranqüilamente de entretenimento para as crianças na Sessão da Tarde. Muitos jovens se ocupam com lazeres nada dóceis como "rachas" de automóvel, jogos de guerra (paint-ball), quando não saem depredando o patrimônio público, destruindo telefones, caixas de correio, placas de sinalização.
Por isso, seria simplismo reduzir a explicação do aumento da violência e do crime como resultado apenas da miséria crescente. É verdade que esta é também uma das causas da violência, por isso convém verificar se, na sociedade em que vivemos, todas as pessoas têm igual chance de educação, saúde preventiva, habitação, alimentação, acesso à Justiça; se há amparo à velhice, aos doentes e inválidos. Mas também é preciso constatar se há pluralismo (coexistência de opiniões divergentes); se há tolerância (não-discriminação dos diferentes); se não há censura e se as informações circulam livremente; ou se a produção e o consumo da cultura não constituem privilégio de poucos.
Mas também convém saber se os homens não perderam o desejo de sonhar e não se encontram embrutecidos por trabalhos desinteressantes ou por relações superficiais. A violência tende a progredir em sociedades cujos homens permanecem pouco criativos, que perderam o sentido da existência e a esperança em dias melhores.
A violência tenderá a diminuir nas sociedades verdadeiramente democráticas. Por isso, o combate à violência passa primeiro pela necessidade de implantação da democracia. E ainda mais; a violência se expande onde não existe cidadania. Por cidadãos entendemos homens participantes da política, independentemente da posição social que ocupam. Uma sociedade de cidadãos não admite o prevalecimento de relações hierarquizadas separando os homens em "inferiores" e "superiores", o que permite o domínio de uns sobre outros.

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